A Ayahuasca, e todas as manifestações a ele inerentes – musicalidade, arquitetura, indumentária, artesanato, dança entre outras – representam uma das mais fortes expressões da Amazônia e de suas populações tradicionais. Essa bebida foi trazida por seringueiros do coração da floresta amazônica, onde era milenarmente utilizada por indígenas de diversas etnias, e passou a compor a base de diversas religiões urbanas, fundadas por Mestres Irineu, Daniel e Gabriel, partes integrantes das identidades culturais acreana e riobranquense. A importância cultural e histórica da Ayahuasca para o universo cultural rio-branquense, acreano e brasileiro é inegável. E nesse sentido, vários vem esforços empreendidos pelas várias esferas do poder público no sentido de valorizar e registrar suas diversas vertentes.
O Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), por exemplo, abriu processo de Inventário Nacional de Referências Culturais, diante da demanda de reconhecer e registrar os usos rituais da Ayahuasca como patrimônio imaterial da cultura brasileira. Outro ponto importante a se destacar foi a instituição, em 2018, pelo Governo do Estado do Acre, do Dia das Culturas Ayahuasqueiras, que também possuem espaço específico nos Sistemas Municipal e Estadual de Cultura, de Rio Branco e do Acre, o que contribui para um diálogo mais próximo com o poder público no que se refere à cultura. Mas recentemente, as comunidades ayahuasqueiras fora convidadas a dialogar acerca do novo Museus dos Povos Acreanos, que contará com sala específica sobre essa manifestação cultural.
Merecem também destaque as diversas iniciativas dos grupos ayahuasqueiros rio-branquenses no sentido do registro de suas memórias. Já há algum tempo, essas comunidades têm se esforçado para constituir seus memoriais e preservar seus acervos, compostos por rica documentação sobre a história dos mestres e das vertentes rituais por eles fundadas.
O Centro Espírita Obras de Caridade Príncipe Espadarte foi fundado em 23 de novembro de 1991 por Francisca Campos do Nascimento e seu falecido esposo, Francisco Gabriel do Nascimento e desenvolve suas atividades na vertente doutrinária fundada por Daniel Pereira de Mattos, conhecida como “Barquinha. Desde 2008, realiza um importante trabalho comunitário de preservação e registro de suas histórias, tanto com recursos públicos, captados por meio de editais culturais, como por iniciativa dos membros. O Memorial da Madrinha Francisca possui uma exposição fotográfica, além dos mais diversos tipos de documentos (impressos e digitais): fotos, vídeos, documentos institucionais e ritualísticos, objetos ritualísticos, livros e revistas com temáticas relacionadas à Ayahuasca e seus usos rituais, entre outros.
Em 2022, com recursos da Prefeitura de Rio Branco, através do Fundo Municipal de Cultura, realizou o projeto “Memórias Ayahuasqueiras”, através do qual novos documentos foram incorporados a este acervo. Estes podem ser acessados, mediante as regras do centro, subsidiando pesquisas no âmbito da própria comunidade, bem como pesquisas acadêmicas. Recentemente, dois pesquisadores defenderam trabalhos nos quais utilizaram nosso acervo: Marianne Salomão, com a dissertação Barquinha de Francisca Gabriel: Ayahuasca, religiosidade e performance, defendida no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Acre (Ufac), e Gabriel Serafim, com a tese Aprendizagens com o Daime na Barquinha da madrinha Francisca: Cartografias dos saberes encantados, defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Doutorado, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“Além da preservação da memória histórica do Centro e da sua dirigente, Madrinha Francisca, o acervo possui uma importância acadêmica, sendo utilizado por muitos pesquisadores, como foi meu caso. Utilizei o acervo na minha dissertação, Barquinha de Francisca Gabriel: Ayahuasca, religiosidade e performance, através da qual obtive o título de mestre pela Ufac”, explica Marianne Salomão, pesquisadora e membro do centro. (Assessoria)
